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Márcia Detoni

Medo e Delírio em Brasília, o gonzo no ar

Você já ouviu Medo e Delírio em Brasília? Tem de ouvir. O podcast é o mais comentado e curtido pelos antenados do país. E não sem razão. Medo e Delírio é muito diferente de tudo o que você já ouviu na podosfera. Relevante como um Assunto (G1) ou Café da Manhã (Folha), mas, ao mesmo tempo, irreverente, irônico, divertido. Pedro Daltro e Cristiano Botafogo explicam o xadrez político de maneira contextualizada, no melhor estilo “deep dive”, mas fazem isso com muito humor, intercalando informação, chistes, memes, bordões, imitações de políticos, gritos, xingamentos e música. O resultado é um formato "nunca antes" ouvido neste país e, ao que se sabe, nem em outros, porque a dupla foi desenvolvendo a extravagância sonora ao longo dos episódios sem copiar ou adaptar nenhum sucesso americano ou europeu. Quem ouvir os primeiros programas lá de 2019 vai perceber que a locução, hoje ágil e vibrante, era lenta, e que havia menos intervenções sonoras.


A influência gringa no podcast está mesmo na admiração de Daltro por Hunter Thompson, jornalista e escritor americano que desenvolveu o chamado Jornalismo Gonzo nos anos 1970, uma narrativa escrachada e ácida usada em críticas à sociedade da época. O nome do programa é, inclusive, uma adaptação de “Medo e Delírio em Las Vegas”, o clássico da contracultura que transformou Thompson em um dos grandes retratistas dos sonhos libertários nos EUA.


Entorpecido por álcool e drogas, Thompson abandonou o ideal de objetividade, borrando as fronteiras entre autor e personagem, ficção e não-ficção. Publicou reportagens repletas de sarcasmo, impressões pessoais, digressões e expressões grosseiras ou obscenas.


A lucidez do conteúdo apresentado em Medo e Delírio em Brasília passa longe da narrativa extravagante de Thompson. Mas a montagem irreverente, debochada, pontuada por palavrões e piadinhas de moleque é puro gonzo; representa bem “essa bad trip escrota em que a gente se meteu”, como diz o programa.


A bad trip começou com a eleição de Bolsonaro, mas não terminou com a volta de Lula. A insanidade, infelizmente, continua a solta no Congresso e nos meandros da política. Flávio Dino e Sílvio Almeida rendem excelentes programas nos embates que travam com extremistas no Congresso. Enquanto a mídia mostra alguns segundos dessa loucura, o Medo e Delírio deixa o debate rolar. Confira a performance de Dino na Comissão de Constituição e Justiça da Câmera no episódio A Escolinha do Professor Dino. Hilário. Não perca também A Queda do General, com os detalhes do vazamento das imagens da atuação do GSI nos atos golpistas de 8 de janeiro. Aliás, todos os episódios são imperdíveis.


Pedro Daltro (à esquerda) e Cristiano Botafogo

Medo e Delírio em Brasília teve origem no blog de mesmo nome criado por Daltro em 2018, em um momento de “ódio e nojo” pela volta dos militares à política. No final de 2019, Botafogo, que não conhecia o blogueiro carioca, leu as postagens e pensou: “Isso daria um podcast”. Botafogo escreveu a Daltro e em pouco tempo o programa estava nas plataformas. Tudo compartilhado via Google Docs, porque Daltro mora no Rio e Botafogo, em São Paulo.



O mais surpreendente é que nenhum deles tinha experiência em rádio. Os dois produzem absolutamente sozinhos três ou quatro episódios por semana! Daltro escreve o roteiro e Botafogo faz a locução, imita vozes e monta. Botafogo é formado em Jornalismo, mas trabalhou muito tempo com tradução e teve uma empresa de audiolivros que não prosperou. Hoje nada de braçada na mídia sonora.


Os dois não revelam números, mas dizem que o programa se sustenta com doações de ouvintes, vendas da loja online e alguma publicidade. O forte é o financiamento coletivo. Vale a pena pagar para que programas tão inteligentes e criativos existam.


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