Uma das coisas que mais me surpreendem em bancas de Trabalho de Conclusão de Curso no Jornalismo é ouvir críticas de avaliadores à locução do aluno ou aluna que apresenta um podcast. Via de regra, aponta-se que a voz é fina ou aguda, no caso de mulheres, ou sem projeção (isto é, autoridade), no caso dos homens. É uma forma de dizer – sem dizer – que o aluno não tem voz de rádio. Pois é. Não tem, nem deve ter. Podcast não é rádio. E vozes impostadas não chegam bem pelo fone de ouvido.
A locução, aliás, segue o padrão dos tempo. É moda. Até os anos 1970, prevalecia a chamada “voz de Deus”: vozes graves, projetadas, lineares, que não transmitiam a personalidade do locutor. As artificiais “vozes de veludo” também eram impessoais, mas com impostação macia. Nos anos 1980, a locução ganhou velocidade para transmitir a urgência dos fatos. Hoje o rádio está bem mais conversado, mas ainda prefere vozes levemente projetadas, assertivas, que conferem autoridade a quem fala.
Bia Guimarães e Sarah Azoubel, do 37 Graus
O podcast tem outra pegada, mesmo os jornalísticos, porque já nasce contestando as regras do rádio. Agrada justamente por ser diferente. Isso não significa que também não esteja sujeito às modas da locução. E a moda atual foi ditada por Ira Glass, do This American Life, grande sucesso da rádio pública americana NPR. Os colaboradores do programa – e futuros podcasters - começaram a imitar a suavidade e coloquialidade de Glass, hoje uma celebridade do áudio em língua inglesa. O “jeito Glass de narrar” pegou nos EUA e na Europa - virando até meme - e é perseguido por muitos podcasters brasileiros.
Thiago Rogero, do Vidas Negras teve de treinar bastante para trocar a locução projetada e rápida de quem trabalhou vários anos em rádio pela voz íntima e suave do áudio narrativo. No final de 2019, ele voltou dos EUA, onde estudou o podcast americano, determinado a mudar de tom. E foi ajudado na tarefa pela Paula Scarpin, da Radio Novelo, que também fez cursos de áudio nos EUA. A voz suave, mais lenta e íntima, é uma marca das produções da Novelo, com destaque para a narração de Branca Viana em Praia dos Ossos.
Bom exemplo de locução sem esforço aparente é o de Bia Guimarães, no 37 graus, podcast narrativo sobre ciência. Uma delícia de ouvir. Pela Folha de S.Paulo, Paula Soprana estreou Cabo Eleitoral na quarta-feira passada (30/3) com locução natural e sonorização suave. Mais uma caprichada produção da editoria de podcasts do jornal.
Emissoras de rádio e TV ainda não compreenderam, no entanto, a dinâmica do áudio ao pé do ouvido. Reproduzem na internet a voz e a sonoridade dos próprios programas. Oferecem mais do mesmo. Impessoalidade e autoridade. É como querer divulgar vídeos com cara de publicidade ou TV no TikTok. Autenticidade zero.
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